Denúncia, Manifesto e Crítica à Moda de Belo Horizonte: Essa foi a Coleção Favela 2025
- Marcel Warley
- 28 de mai.
- 5 min de leitura
Atualizado: 4 de jun.

Na edição de 2025 da Coleção Favela, eu, Marcel Warley, reafirmei a minha trajetória marcada pela resistência, pela identidade periférica e pela vontade inabalável de transformar a moda em um espaço realmente plural e inclusivo. Moda não pode ficar apenas nas apresentações, nos slides com design bonito ou no papel — tem que ser colocada em prática.
Moro na Favela do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte. Vim participar de um projeto de extensão em 2022 por acaso e me apaixonei pela estética e pela "vibe" da favela, com a qual me identifiquei profundamente. Aqui me senti pertencente, nunca distante das raízes que moldaram minha forma de ver o mundo. Pelo contrário: foi justamente da escuta atenta, das observações dos becos, vielas, conversas de portão e histórias silenciadas que construí o alicerce da minha criação.

A coleção deste ano não é apenas um conjunto de roupas — é um projeto de afirmação estética, política e social, costurado com técnica, intuição e muito afeto. O editorial Preto no Branco foi uma grande inspiração.
O desfile foi dividido entre dois territórios simbólicos: a Escola de Design da UEMG, espaço acadêmico que me formou como estilista e pensador do design (e onde percebi que os eventos ainda são, majoritariamente, brancos e elitistas), e o Centro Cultural Vila Marçola, no coração da favela onde moro. Ao promover o desfile dentro do próprio território, busquei reverter a lógica histórica da moda brasileira, que costuma concentrar seus holofotes nos centros elitizados, e levar os flashes para onde a criação pulsa com mais verdade: a periferia.
Foi uma decisão calculada, mas profundamente emocional. A favela não apenas assistiu ao desfile — ela o construiu: peça por peça, olhar por olhar, batuque por batuque.

A construção da coleção seguiu princípios do design sustentável, com foco em upcycling e reaproveitamento de materiais. Garimpei tecidos e aviamentos em saldões no Barro Preto e incorporei estampas africanas, como o tradicional Ankara, importado da Nigéria.
Cada peça é única e carrega consigo um discurso visual que mistura referências do streetwear com cortes e modelagens pensadas para o corpo real — aquele que anda de busão lotado, dança no baile, trabalha na feira e nunca se viu representado nas passarelas tradicionais. A modelagem prioriza movimento, liberdade e, acima de tudo, orgulho de vestir uma roupa que fala a mesma língua de quem a usa.
A trilha sonora do desfile foi cuidadosamente pensada para reforçar essa conexão com a vivência periférica. Funk é favela, é cultura, é libertador! A batida do funk MT, combinada com sons afro-brasileiros, ecoava como um chamado ancestral. O som não era apenas pano de fundo — era parte da narrativa entre passado, presente e futuro. Enquanto os modelos cruzavam a passarela, os beats se misturavam com vozes que cantavam as dores e alegrias de se existir à margem do sistema. Mais do que representar, convidei o público a sentir na pele o que é estar do lado de cá.

Os corpos que desfilaram não obedecem ao padrão publicitário nem às exigências do mercado. A Coleção Favela aposta em corpos dissidentes: pretos, gordos, com deficiência, LGBTQIAPN+, periféricos — pessoas reais. A escolha desses modelos não se deu por inclusão simbólica, mas por coerência com aquilo que acredito. Moda, para mim, é ferramenta de educação, transformação social, comunicação e reparação histórica. É forma de devolver às pessoas o direito de se verem representadas com dignidade, beleza e potência.

Mais do que uma proposta estética, a Coleção Favela é um projeto educativo, com ações que foram realizadas ao decorrer de um projeto de extensão, em escolas públicas e espaços de formação informal nas quebradas de BH. Promoví oficinas de moda, design, fotografia e identidade cultural, entendendo a educação estética como uma forma de empoderamento, especialmente para jovens negros e periféricos que muitas vezes não se reconhecem como produtores de cultura.
A descentralização cultural promovida com esse trabalho não é episódica — é parte de uma agenda contínua. Levar o desfile para dentro da favela foi um ato político, que questiona o lugar da arte: quem pode criá-la, onde ela pode acontecer, para quem ela é feita. Ao afirmar que "a quebrada é passarela", não estou usando uma metáfora — estou descrevendo uma realidade possível, que já está sendo construída com agulha, linha e muita coragem.
A Coleção Favela 2025, portanto, é mais do que uma coleção de moda — é um manifesto contra a exclusão, uma costura de afetos e um chamado à reflexão. Ao unir saberes acadêmicos e saberes da vivência, coloco a moda como linguagem poderosa para discutir pertencimento, orgulho racial, justiça social e futuro. E o futuro que desenhamos tem a cara da favela, a ginga do funk, a força do coletivo e o brilho de quem nunca se deixou apagar.
Ao final do evento, foram coroados Ana Paula Santos, com o título nacional de MISS AFRO-BRASILEIRA 2025, e Wescilley Junio dos Santos, como MISTER AFRO-BRASILEIRO 2025. Ambos foram reconhecidos não por julgamento estético, mas por sua participação ativa e comprometida durante todo o projeto — uma celebração da presença, do processo e da potência de ser.

Foi emocionante — não apenas por ter sido eu o idealizador, mas por testemunhar lágrimas sinceras, sorrisos largos e olhares profundamente tocados. Jamais presenciei algo semelhante em um desfile de moda. O que se viu ali transcendeu o espetáculo estético: foi um ato de denúncia, um grito político, um enfrentamento às estruturas que maquiam desigualdades adornadas por passarelas reluzentes e por espaços hegemônicos, embranquecidos e desculturais. A Coleção Favela 2025 desnudou verdades silenciadas e transformou a moda em ferramenta de insurgência, revelando uma realidade muitas vezes disfarçada sob o véu da superficialidade.
AGRADECIMENTOS
Nada do que foi construído seria possível sem as mãos, os olhos, os saberes e os afetos de tantas pessoas comprometidas com a potência da periferia e com a transformação pela arte.

Oratória : Érika Naciva
Maquiagem Oficial Beleza: Haroldo Barony
Maquiagem de Suporte: Andréia Veloso
Modelagem : Caroline Gomes
Ilustrações: Sophia Duarte (Sunshy)
Corte e Costura: Marcel Warley, Jõao Paulo, Caroline Gomes
Acessórios: Marcel Warley
Fotografia : Carla Oberhofer
Iluminação: Marcel Warley
Trilha sonora : Marcel Warley
Apoio (Social Media e Transmissão): Karina Aquino
Liderança de Backstage : Julya Tucunduva e Graziela Faria
Assistência de Backstage : Carolina Mafra
Recepção: Cecília Botelho
Divulgação: Diretório Acadêmico e ASCOM da Escola de Design. Páginas do instagram @divulsaserrao, @bailesdaserra e @aglomeradodaserra.
Brindes: Cariama Stúdio by Danilo Gonçalves
Agradecemos com carinho e admiração às professoras Andréia, Nadja, Rachel e Renata, pela escuta atenta, pelo olhar pedagógico sensível e pela defesa de uma educação plural, antirracista e socialmente comprometida.
Ao Centro Cultural Vila Marçola, por acolher com generosidade esse movimento de insurgência estética e política.
À Distribuidora Lufan Telebebidas, à bebida Xá de Cana e à 20's Drinks, por celebrarem conosco, com sabor e resistência.
Ao Rocambole Imperial, que trouxe o gosto da tradição mineira aos bastidores, convidados e imprensa.
Ao Studio Rucagi, pelo acolhimento e por ceder com generosidade os espaços essenciais ao pré-evento.
Escrito e revisado por Marcel Warley @marcel_warley (Coordenação EMBR)
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